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Entre a palavra e o silêncio

  • Foto do escritor: Liège Alves
    Liège Alves
  • 22 de nov. de 2021
  • 3 min de leitura

Atualizado: 25 de abr. de 2022

Voltando às palavras e sua força. Já pensaram por que uma fala simples, às vezes, nos toca fundo?

Tudo bem, vou dizer. Apesar de tentar exercitar o máximo o não julgamento, eu confesso que desconfio de pessoas que dizem toda hora: gratidão. Virou algo banal. Todos são gratos e, a qualquer momento, usam essa palavra acompanhada tradicionalmente pelo emoji das mãozinhas postas. Está em nossas conversas diárias, por motivos banais. Como acredito muito na força das palavras, tenho minhas suspeitas. Será que as pessoas são tão gratas mesmo? Ou é apenas uma expressão que está em alta e usada sem pensar?


Um estudo do japonês Masaru Emoto mostra com registros fotográficos como a água reage a boas e as más palavras. Transporte isso para nosso cotidiano e perceba o quanto pode minar relações e jogar no ar que respiramos um veneno. Acabar com a auto-estima de alguém desde a infância, destruir talentos que estão em desenvolvimento.


Lembro de uma professora de dança que se mostrava visivelmente incomodada em sua fala e atitude com meus movimentos na aula de jazz. Não sei porque permaneci algum tempo ainda insistindo em frequentar a academia. Possivelmente porque naquela época era difícil usar a minha voz para reivindicar respeito. Mas nunca esqueci. Ficou como uma marca: jazz e eu não combinamos.


Podia ter sido diferente. Claro que sim. De uma forma às avessas ela me ensinou uma lição: não permanecer em lugares onde estou desconfortável. Ou, simplesmente, como dizem os baianos, fui favorecida com a sua ausência por ter abandonado aquele lugar com muitos espelhos onde eu me via e, ela reforçava, tão desajeitada. Talvez a dança seja muito grata a mim por isso.


Mas voltando às palavras e sua força. Já pensaram por que uma fala simples, às vezes, nos toca fundo? E outra, cheia de esses e erres não nos faz nem cosquinha? Com toda certeza é porque a primeira está afinada com o coração, enquanto a segunda, com sorte, está em sintonia com a gramática. Talvez por isso pensar antes de falar sempre foi considerado muito sábio em várias culturas e em religiões.


Quando ouvimos que o silêncio é ouro, por exemplo, quer dizer que o ato de calar é uma virtude. O ouro, inclusive, é um arquétipo que está conectado com a sabedoria superior. Só que a expressão precisa carregar junto o sentir e o pensar. Caso contrário, falta o ingrediente principal nesta comunicação, que é a coerência. Isso é que dá sentido ao nosso verbo, o fato dele caminhar na mesma direção da ação.


Quando fiz meu mestrado em Rakiram, terapia de imposição de mãos, em 2009 tive que ficar 48 horas em silêncio. Para conseguir isso, o jeito foi passar mais tempo isolada em uma cabana no hotel em que estávamos em imersão. A turma quando se encontrava era animada e ruidosa. Muitas histórias, risos e emoções fortes nas práticas.


Compartilhar era básico, estávamos sempre expostos em nossas fragilidades durante os exercícios. Não há quem não se identifique com o outro nesses momentos. Ficar sem falar foi difícil e me deixou em um lugar de espectadora, acolhendo as palavras alheias, enquanto as minhas ecoavam na cabeça (sim, pensamos com palavras também). Mas foi uma lição única, principalmente de humildade.



Liège Alves

Mestra em Rakiram e Terapeuta Floral de humanos e pets

Instagram: @liegealves


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